sexta-feira, maio 26

A um Homem do Marão



"Aguiolhado de todos os lados, o corpo começou a torcer-se, aflito, E daí a pouco arqueava-se retesado, erguido nos calcanhares e nos cotovelos, a estalar de desespero. Dentro dele, através dele, um outro corpo estranho queria romper caminho. E, por mais que cedesse e alargasse, o inimigo mantinha-se insatisfeito, a reclamar maior espaço, a exigir as portas abertas de par em par. Sem a piedade dos intervalos de há pouco, as dores pareciam cadelas a mordê-la. De cada guinada vencida, nasciam outras guinadas, como rebentos por uma castinceira acima. E toda ela era um uivo de bicho crucificado.

(...) E quando Madalena, ao cabo de uma eternidade cega e raivosa, conseguiu finalmente sair do tronco de tortura, nada mudara. Os fragões sonhavam ainda.

Suava em bica. Escorria das fontes à sola dos pés. O sol já não estava a pino. Ia caindo, agonizante, para os lados do Marão. A última dor morrera há um segundo, ou há horas, ou há semanas? Não sabia. Sabia, sim, que o sofrimento se apagara de vez e a deixara, como deixa o cortiço o enxame que parte.

(...) Abriu de todo os olhos turvos. Entre as pernas, numa poça de sangue, estava caído e morto o filho. Carne sem vida, vermelha e suja. O segredo dela e de Deus!...

Exausta, deixou-se ficar prostrada, a saborear o alívio. As cancelas escancaradas fechavam-se lentamente."

Miguel Torga, Os Bichos

Moral da Historia em Latin:hac procul Maranus ordenar qui ca est

Até á próxima.........

(as foto-montagens do Joaquim Mendes não são usadas neste blog com sentido depreciativo e o nome Bode Ranhoso é do editor deste blog,peço-vos que não o associem ao Sr Joaquim Mendes pois tenho o maior respeito por ele)

11 comentários:

  1. Parabéns pelo artigo.
    é sempre bom não esquecermos os grandes amantes desta região que tanto amamos.
    Um abraço a todos os Maronêses

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  2. Muito Bem
    O Adolfo é simplesmente fabuloso vê-se
    toda a força do marão nestas linhas.

    parabens Bode

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  3. Grandioso
    deixo aqui um trecho que diz tudo sobre esse grande Homem

    converso até onde me vejo obrigado, (...) largo-o logo que posso e regresso a um convívio menos tenso e mais fecundo, (...) sem esperança nos letrados, (...) junto dos analfabetos encontro ainda o riso, a indignação, o espanto...
    dixit miguel Torga

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  4. o mundo a braços com o drama das diversidades e nós, que há oitocentos anos temos a unidade nacional no território, na língua, nos costumes e na religião, vamos desmioladamente destruí-la?

    idem idem

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  5. Li este post e fiquei a gostar do Miguel Torga,já tinha ouvido falar mas nunca tinha lido nada dele,hoje já fui comprar o livro (os Bichos).

    Obrigado Bode

    VIVA o MARÃO

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  6. «Cuido que as coisas mais válidas que escrevi, sabem à terra nativa que trago agarrada aos pés».
    Diário II, p. 150.

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  7. São Leonardo da Galafura

    À proa dum navio de penedos,
    A navegar num doce mar de mosto,
    Capitão no seu posto
    De comando,
    S. Leonardo vai sulcando
    As ondas
    Da eternidade,
    Sem pressa de chegar ao seu destino.
    Ancorado e feliz no cais humano,
    É num antecipado desengano
    Que ruma em direcção ao cais divino.

    Lá não terá socalcos
    Nem vinhedos
    Na menina dos olhos deslumbrados;
    Doiros desaguados
    Serão charcos de luz
    Envelhecida;
    Rasos, todos os montes
    Deixarão prolongar os horizontes
    Até onde se extinga a cor da vida.

    Por isso, é devagar que se aproxima
    Da bem-aventurança.
    É lentamente que o rabelo avança
    Debaixo dos seus pés de marinheiro.
    E cada hora a mais que gasta no caminho
    É um sorvo a mais de cheiro
    A terra e a rosmaninho!

    Miguel Torga

    Tambem sou apreciador das qualidades
    de Miguel Torga

    parabens por este artigo Sr Bode ranhoso
    As melhores Saudações
    Ribeiro Alves-Coimbra

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  8. A troca da foto foi boa esta está fantástica e combina com o tema,o nascimento é sempre um tema forte,parabens

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  9. Passei aqui por acaso e não posso deixar de dar o meu elogio,a este post sobretudo pela montagem fotografica.

    Avé Bode

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  10. Vou deixar o meu contributo a esse homem do Marão.

    "Liberdade. Passei a vida a cantá-la, mas sempre com a identidade no pensamento, ciente de que é ela o supremo bem do homem. Nunca podemos ser plenamente livres, mas podemos em todas as circunstâncias ser inteiramente idênticos. Só que, se o preço da liberdade é pesado, o da identidade dobra. A primeira, pode nos ser outorgada até por decreto; a outra, é sempre da nossa inteira responsabilidade."

    Miguel Torga

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  11. Simplesmente Brilhante e Curiosa esta foto ,parabéns

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O Bode Ranhoso agradece a sua Chifrada.

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